O líder da oposição, Juan Guaidó, e o preso político Leopoldo López, que estava impedido de sair de casa, em prisão domiciliar, foram no início da manhã desta terça-feira (30) até a base militar de La Carlota, em Caracas, acompanhados de militares dissidentes.

“Hoje soldados que são valentes vieram até aqui porque nosso primeiro de maio começou hoje. Estamos chamando as Forças Armadas para acabar com a usurpação hoje.” Guaidó deu as declarações por meio de um vídeo publicados em suas redes sociais, no qual aparece cercado de militares que o apoiam, armados, e ao lado de López.

Também nas redes sociais, Gauidó afirmou que está “dando início à fase final da Operação Liberdade”. Não se sabe, até a publicação deste texto, como teria sido a libertação de Leopoldo Lopez. Eram 6h (7h no Brasil), quando Caracas despertou de modo tenso. Após as declarações do líder oposicionista, o dia amanhece com muitas buzinas soando nas ruas, gente caminhando e gritando. Também eram ouvidos panelaços.

O governo fechou o trânsito nas principais vias perto da base de La Carlota. Agentes atiram bombas de gás lacrimogêneo em quem tenta chegar perto. Por meio das redes sociais, o ministro da Comunicação do governo, Jorge Rodríguez, pulicou que “nestes momentos, estamos enfrentando e desafiando um reduzido número de efetivos militares traidores que se posicionaram para tentar um golpe de Estado”.

O ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino, porém, afirmou que há normalidade nos quartéis. Nas redes sociais, publicou que “a Força Armada se mantém firme na defesa da Constituição e de suas autoridades legítimas. Todas as unidades militares das oito regiões de defesa integral reportam normalidade em seus quartéis e bases, sob mando de seus comandantes naturais”. 

Quase cem dias após a juramentação do líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, como “presidente encarregado” da Venezuela, Caracas ainda vive entra a esperança de uma mudança que então parecia iminente e o aumento do desespero por conta da (ainda mais acelerada) degradação das condições de vida.

Ao chegar em Caracas, no fim da tarde desta segunda-feira (29), a reportagem da Folha pôde ver vários grupos e famílias tirando água do rio Guaire em baldes de distintos tamanhos. Entre eles, estavam também os conhecidos como “mineradores”, geralmente adolescentes, apenas em calções ou bermudas, que se metem no meio do rio para buscar restos de alimento ou algo que possa ser útil.

Nas últimas semanas, a falta de água e os apagões que vão e vem são o drama mais recente da crise venezuelana. Vários quarteirões da parte leste da cidade, onde estão os bairros de classe média e alta, estavam sem luz, um cenário que lembra o início da devastação ocorrida na cidade norte-americana de Detroit depois da crise da queda da venda de automóveis.

Já o cenário desde o aeroporto é desolador. O mato cresce desordenadamente entre as pistas de aterrissagem. Quando a Folha chegou, havia apenas um avião grande de companhia internacional estacionado e algumas avionetas de empresas privadas. O antes charmoso aeroporto de Maiquetía, que servia de “hub” para europeus, norte-americanos e sul-americanos que se dirigiam ao Caribe, hoje é um espaço de desconfiança e delitos –houve até assassinato à queima-roupa numa fila de check-in.

Quem não tem um transporte combinado de antemão esperando é logo cercado por gente que quer vender algum serviço: “Quer ligar para alguém? Um dólar a chamada pelo meu celular”, “Quer que te leve a algum lugar? Meu carro está aí fora, tem ar-condicionado, 20 dólares até o centro”.

Não há mais táxis oficiais no aeroporto. Na praça de alimentação, só dois restaurantes funcionam, vários estão de portas fechadas, não há sinal de wifi. É aconselhável manter um ar de alerta tranquilidade. Oficiais armados da Guarda Nacional Bolivariana medem com o olhar os que chegam e suas bagagens. Poucos restaurantes, no lado leste da cidade, estão abertos depois das 21h. O pagamento cada vez mais tem sido em dólar, por conta da falta de moeda provocada pela hiperinflação.

A quarta-feira (1) será um dia chave nessa disputa de poder que a oposição começou naquele 23 de janeiro. A equipe de Guaidó chegou a querer chamar este dia de “tomada de Miraflores”, esperando que o governo de Maduro, a esta altura, estaria tão debilitado que sucumbiria agora. O caminho, porém, ainda parece não estar tão perto e o medo da oposição é que sua flama comece a se apagar, ou seja, que como em 2017, durante a polêmica campanha da Assembleia Constituinte, que as pessoas se cansem de ir às suas convocações e acabe dando lugar à resignação.

Por enquanto não é o caso, mas a sugestão está no ar. Além disso, estão as dificuldades impostas pelo regime. No último fim de semana, Guaidó tinha programado um ato grande em Barquisimeto, capital do estado Lara. Havia milhares de pessoas esperando-o, mas o governo bloqueou vias e impediu que o evento ocorresse. A equipe de segurança do líder opositor o aconselhou a voltar a Caracas.

Por isso Guaidó vem chamando com tanto afinco para que todos compareçam. Na noite desta segunda-feira, foram divulgados os mais de 20 pontos de concentração para o início da marcha. Para a sobrevivência política do projeto de Guaidó, é essencial continuar a encher as ruas. Já do lado da ditadura, também está prevista uma marcha para a comemoração oficial do Dia do Trabalhador.

Por Sylvia Colombo | Folhapress