O relatório da Polícia Federal que embasou a operação desta quinta-feira (8), que apura uma tentativa de golpe de Estado durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), traz conversas do coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens do ex-presidente.
Segundo a PF, elas indicam a atuação dele em várias frentes na empreitada golpista, incluindo a orientação de manifestações e participação no monitoramento do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes (veja prints abaixo).
A investigação aponta que Cid participava de cinco dos seis núcleos em que o grupo se dividiu para a tentativa de golpe.
A operação desta quinta tem como alvos Bolsonaro, militares e ex-ministros da gestão do ex-presidente. Ao todo, foram expedidos 33 mandados de busca e apreensão e quatro mandados de prisão preventiva.
Há ainda medidas cautelares, como proibição de contatos entre os investigados, retenção de passaportes e destituição de cargos públicos.
Orientação de manifestações
Um dos diálogos anexados pela PF é entre Cid e o major das Forças Especiais do Exército Rafael Martins, em novembro de 2022, já depois das eleições. Segundo a corporação, nas conversas, Cid orientou o militar sobre manifestações em Brasília.
Em 11 de novembro, Rafael Martins perguntou a Cid onde as manifestações deveriam ocorrer, e questionou se as Forças Armadas assegurariam a permanência dos participantes no local. A resposta de Cid foi positiva. Veja abaixo:
Em outra conversa anexada pela PF, Cid pediu a Rafael Martins que estimasse os custos de trazer pessoas para participarem da manifestação em Brasília. Veja:
Monitoramento de autoridades
Outro diálogo anexado pela PF é entre Mauro Cid e o ex-assessor especial do então presidente Bolsonaro Marcelo Câmara.
Segundo a PF, Câmara tinha “significativa proximidade” a Bolsonaro, e “também assumiu posição de relevo na dinâmica golpista, por atuar como responsável pelo núcleo de inteligência paralela que operava na coleta de informações sensíveis e estratégicas para auxílio na tomada de decisões do então Presidente da República”.
Uma das funções desse núcleo, de acordo com a investigação, era o monitoramento de autoridades como o ministro do STF Alexandre de Moraes. A PF afirma que os dois usavam o codinome “professora” para se referir ao ministro.
As mensagens apontam que, entre 15 e 22 de dezembro de 2022, Cid questionou Câmara sobre o paradeiro de Moraes, segundo a Polícia Federal. Veja abaixo:
A PF afirma que o objetivo do monitoramento era garantir o cumprimento de uma ordem de prisão de Moraes, que estaria prevista na minuta de decreto golpista que consumaria o golpe.
Minuta golpista
O histórico de mensagens de Mauro Cid obtido pela PF destaca, ainda, um áudio enviado pelo então ajudante de ordens de Bolsonaro ao então comandante do Exército, general Freire Gomes.
Segundo a investigação, Cid teria demonstrado que Jair Bolsonaro estava “redigindo e ajustando o decreto”, em referência à minuta de decreto golpista.
“O presidente tem recebido várias pressões para tomar uma medida mais, mais pesada onde ele vai, obviamente, utilizando as Forças, né? Mas ele sabe, ele ainda continua com aquela ideia que ele saiu da última reunião, mas a pressão que ele recebe é de todo mundo. Ele está… É cara do agro. São alguns deputados, né?”, diz Mauro Cid, segundo a transcrição da PF.
“Hoje o que que ele fez hoje de manhã? Ele enxugou o decreto, né? Aqueles considerando que o senhor viu e enxugou o decreto, fez um decreto muito mais, é resumido, né? […] Porque se não for, se a Força não incendiar, é o status quo mantém aí como o que estava previsto, que estava sendo feito, que estava sendo levado nas reuniões em consideração, tá?”
Segundo a PF, tudo demonstrava que “atos executórios para um golpe de Estado estavam em andamento”. Veja a transcrição abaixo:
Sem indícios de fraude
Após o fechamento das urnas, no primeiro turno das eleições de 2022, a investigação aponta que Mauro Cid conversou com um coronel do Exército sobre supostas fraudes no pleito.
No diálogo de 4 de outubro de 2022, o coronel Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros escreveu esperar que “vocês”, em referência ao núcleo próximo a Jair Bolsonaro, “saibam o que estão fazendo”.
Cid responde: “Eu tb [também]… Senão estou preso”. Momento depois, Cid diz que não há “nenhum indício de fraude”.
Mauro Cid ficou preso por pouco mais de seis meses no ano passado, em uma investigação sobre inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid. Ele foi solto em setembro de 2023, após fechar acordo de colaboração premiada. Informações trazidas na delação foram usadas na operação desta quinta.
Fonte: g1