Apesar de os bairos mais nobres de Salvador, como Pituba, Graça e Horto Florestal, ainda serem os mais atingidos pela covid-19, o novo coronavírus já começa a surgir pelas regiões mais pobres da cidade. Localidades como Candeal, com quatro casos confirmados, Cajazeiras e Caixa D’água, com dois respectivamente, já começam a sofrer com os impactos da pandemia.
O dado foi revelado pelo secretário de Saúde de Salvador, Leo Prattes. No estudo, a liderança de casos continua sendo da Pituba, com 16 confirmados, e Horto Florestal, com 10. Ao total, a capital baiana tinha 132 infectados até terça-feira (31).
A chegada da pandemia aos bairros mais carentes é preocupantes pois essas localidades, em geral, possuem uma maior concentração populacional e piores condições sanitárias, facilitando a propagação do vírus.
Outro dado relevante é que o número de transmissões comunitárias (aquelas em que não é possível saber a origem do vírus) está próxima de superar as importadas.
Segundo Leo Prattes são 42 comunitárias contra 45 importadas. Também há 25 locais (ocorridas dentro de Salvador, mas com origem rastreada) e 19 sem informações.
Os sintomas mais comuns apresentados pelos pacientes em Salvador são febre, tosse, dor de cabeça, dificuldade de respirar e mialgia.
Bairros mais vulneráveis
Uma nota técnica publicada, nesta segunda (30), pelo grupo GeoCombate Covid-19 BA aponta que os bairros do Tororó, Vila Canária, Santa Cruz, Pirajá, Nova Constituinte, Santa Luzia, Boa Vista de São Caetano e Sussuarana devem receber mais atenção do poder público para evitar a expansão do novo coronavírus nesses locais.
Os oito bairros citados pela nota são mais vulneráveis em caso de contágio pelo vírus por se encaixarem em vários fatores de risco para a expansão da doença. Os pesquisadores do grupo foram capazes de determinar a vulnerabilidade a partir de uma análise cruzada dos fluxo das viagens por meio do transporte coletivo com os indicadores socioeconômicos de cada lugar. O grupo coordenado pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) analisou dados coletados em 23 de março.
“O que falamos é que certos bairros, que têm interações de fluxo muito fortes com outros bairros que possuem a prevalência da doença, também tem fragilidades socioeconômicas. Temos restrição de recursos e precisamos de alguma diretriz para priorizar onde esses recursos serão empregados”, explicou o professor Jorge Ubirajara Pedreira Júnior, que é engenheiro de Produção e pesquisador em Engenharia de Transportes e Ciência de Dados.
Com a análise do fluxo de transporte de viagens rígidas – aquelas que não são flexíveis, como as para o trabalho, o grupo desenvolveu um primeiro mapa do perigo potencial da disseminação da Covid-19 nos bairros de Salvador. Este dado aponta como o vai e vem de pessoas na cidade pode transmitir o vírus. Assim é possível saber como as pessoas que trabalham em um local com vários casos da doença pode se infectar no trabalho e levar a doença para casa.
Entretanto, apenas a transmissão entre as localidades não é capaz de determinar a vulnerabilidade de um bairro. Para isso, é necessário compreender como as condições socioeconômicas do local, como a densidade de ocupação domiciliar, influenciam na disseminação do Covid-19.
“Em Patamares, uma menor parte da população vive com mais de dois indivíduos por cômodos. Em outros bairros, mais pessoas moram em uma mesma casa e, por isso, dividem o quarto. Essa última situação de moradia potencializa o risco de transmissão da doença porque a pessoa não tem como se isolar em casa para não disseminar o vírus”, explica o professor Julio César Pedrassoli, que é geógrafo e pesquisador em Análise Espacial e Sensoriamento Remoto.
Por esse motivo, o bairro de Patamares é apontado como o 5º no ranking de perigo potencial de disseminação da doença, mas possui uma vulnerabilidade menor ao vírus por ter indicadores socioeconômicos mais altos.
Para chegar os resultados, o grupo associou o perigo potencial de disseminação da doença a quatro índices. São eles: o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, o Índice de Vulnerabilidade Social, a densidade de ocupação domiciliar e a vulnerabilidade ao abastecimento de água e esgotamento sanitário inadequado. Estes indicadores foram extraídos diretamente do Atlas da Vulnerabilidade Social, de iniciativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), baseado em dados do Censo Demográfico de 2010.
Em nota, o grupo aponta que é importante refletir sobre a necessidade de ações prioritárias nos locais de maior vulnerabilidade por parte do poder público. “Os indicadores de risco aqui apresentados podem direcionar a escolha de locais de aplicação de testes diagnósticos, monitoramento dos casos e o subsequente isolamento dos indivíduos fora de suas residências nos casos em que a alta densidade domiciliar inviabiliza a quarentena doméstica”, aponta o grupo na nota técnica.
Além dos oito bairros, o resultado das análises destaca as regiões centrais da Área Urbana Consolidada, o Subúrbio Ferroviário e Miolo como regiões mais vulneráveis à doença.
A pesquisa começou há exata uma semana, em 23 de março, por isso, o grupo ressalta que o modelo vem sendo refinado a cada dia. “Os resultados possuem confiabilidade inicial, mas podem ser melhorados com dados mais precisos”, afirmou Ubirajara.
Os pesquisadores do grupo desejam trabalhar em parceria com poder público para ter acesso a dados mais atualizados e precisos. “Trabalhamos com os dados disponíveis. Desejamos mostrar o potencial de informação que podemos gerar e auxiliar o poder público a tomar a ação mais assertiva que se pode tomar”, diz Ubirajara.
Por se tratarem de dados da semana passada, os pesquisadores reconhecem que o padrão das viagens na cidade pode ter sido alterado em função das primeiras políticas de limitação da movimentação dos indivíduos pelo poder público.
O grupo de pesquisadores foi criado a partir de uma discussão entre professores universitários sobre a possibilidade de se fazer uma pesquisa a partir da perspectiva da movimentação do fluxo de transporte em Salvador para a disseminação da doença. “Convidamos conhecidos de diversas instituições, inclusive do estado, para ter informações para montar o estudo. Inicialmente, o grupo tinha 6 pessoas. Agora, temos 25 pessoas com várias ideias e agregamos nossos esforços para chegar nessa nota técnica”, relata a professora Fabíola Andrade Souza, que é bacharel em Informática e pesquisadora em Sistemas de Informações Geográficas (SIG), Infraestrutura de Dados Espaciais (IDE) e banco de dados geográficos.
Fonte: Correio24Horas