BAHIA

Movimentos negros pedem justiça pelo assassinato de Mãe Bernadete e protestam contra violência policial em Salvador

Movimentos negros se reuniram em frente à Igreja do Basílica Santuário do Senhor do Bonfim, na Cidade Baixa, em Salvador, nesta quinta-feira (24), para pedir justiça pelo assassinato de Mãe Bernadete, e protestam contra a violência policial.

A morte da ialorixá completa uma semana nesta quinta e uma missa será celebrada, no final da manhã, na Basílica Santuário do Senhor do Bonfim, a igreja mais reconhecida no roteiro turístico da capital baiana.

“Seguir a luta é a principal forma de manter viva a memória de Mãe Bernadete. É preciso uma apuração rigorosa, com a prisão dos mandantes e assassinos. Mãe Bernadete foi morta por lutar em defesa do seu território”, disse Milena Oliveira, do Movimento Mulheres em Luta (MML).

Segundo os manifestantes, o ato faz parte do dia nacional de luta contra a violência policial e o genocídio do povo preto.

“Estamos assistindo uma escalada da violência policial contra o povo preto e pobre em todo o país. A Bahia tem a polícia mais violenta do Brasil, apontam os dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ano passado, 1.464 pessoas foram mortas em ações policiais em nosso Estado. Isso tem que parar”, afirmou Matheus Araújo, do Movimento Aquilombar.

Segundo o ativista, a política de segurança pública do governo da Bahia é ancorada em uma “falsa guerra às drogas, que virou a desculpa usada pelas forças de repressão para perseguir, prender e matar o povo preto, pobre e periférico”.

Os manifestantes citaram o levantamento da Rede de Observatórios de Segurança, “Pele alvo: a cor que a polícia apaga”, divulgado, em novembro de 2022, que apontou que uma pessoa negra foi morta pela polícia na Bahia a cada 24h, em 2021.

“É o extermínio da juventude pobre e negra sendo colocado em prática. Um verdadeiro genocídio”, completou o ativista do Movimento Aquilombar.

Em um panfleto distribuído durante o protesto, assinado pelo Movimento Aquilombar, Coletivo Rebeldia, Movimento Mulheres em Luta e Secretaria de Negras e Negros do PSTU, foram apresentadas algumas propostas.

Entre elas estão:

  • Implantação de câmeras de monitoramento em todos os polícias.
  • Controle social das polícias pelas organizações populares, com direito a eleição de seus comandantes, garantindo o direito de sindicalização e greve aos policiais.
  • Fim da falsa política de guerra às drogas.
  • Revogação da Lei de Drogas de 2016.
  • Descriminalização das drogas, para combater o narcotráfico.

Bernadete Pacífico, de 72 anos, liderança quilombola baiana e coordenadora da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), foi assassinada a tiros dentro da associação do Quilombo Pitanga dos Palmares, na noite de quinta-feira (17).

De acordo com a Secretaria da Segurança Pública da Bahia, dois homens, usando capacetes, entraram no imóvel onde estava Bernadete na cidade de Simões Filho, e efetuaram disparos com arma de fogo.

Até esta quinta-feira (24), uma semana após o homicídio, ninguém foi preso. Antes de ser assassinada, Mãe Bernadete pensou que os dois homens que invadiram a casa dela eram assaltantes.

A informação foi dada à polícia pelo neto da vítima, Wellington Gabriel de Jesus dos Santos, que estava na casa da avó, dentro do quilombo Pitanga dos Palmares, na noite do crime.

A vítima estava na companhia de três netos quando foi morta: Wellington, de 22 anos, que estava em um dos quartos da casa, e dois adolescentes de 13 e 12 anos, que estavam na sala com a avó. Ao ouvir batidas na porta, um dos adolescentes abriu e os suspeitos entraram na residência.

Ainda segundo Wellington, os homens pegaram o celular da avó e mandaram desbloquear o aparelho. Eles também roubaram os celulares dos dois adolescentes que estavam na sala e exigiram que fossem para um dos quartos da casa.

Depois disso, um dos homens foi até o quarto onde Wellington estava e o mandou deitar no chão. “Deite no chão, seu ‘viado'”, exigiu. Ao sair do cômodo, o homem fechou a porta.

Depois disso, o jovem ouviu diversos disparos. Quando saiu do quarto, encontrou a avó morta no chão da sala.

Sem telefone, Wellington utilizou o aplicativo de mensagens que estava aberto em seu computador para pedir socorro para pessoas que vivem no quilombo. Depois disso, ele deixou os familiares adolescentes com um vizinho e foi até o terreiro de Candomblé, que fica dentro do Pitanga dos Palmares, para ligar para a polícia.

Os suspeitos chegaram e saíram do quilombo de moto e, até esta segunda-feira, não foram identificados, nem encontrados. Segundo Wellington relatou no depoimento, eles tinham entre 20 e 25 anos, eram negros e usavam roupas pretas, capas de chuva e capacetes.

O caso é investigado por uma força-tarefa da Polícia Civil e também pela Polícia Federal. As corporações se reuniram para compartilhar informações.

Participaram do encontro o secretário de Segurança Pública da Bahia, Marcelo Werner, o superintendente Regional da Polícia Federal na Bahia, Flávio Albergaria, e a delegada-geral da Polícia Civil, Heloísa Brito. Nenhuma informação sobre o andamento das investigações foi divulgada.

Familiares relataram que Mãe Bernadete sofria ameaças há pelo menos dois meses. Ela falou sobre isso durante um encontro com a presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, em julho deste ano.

À polícia, Wellington relatou que não se lembra de ver a avó ser ameaçada, nem dela ter inimizades. Apesar disso, o jovem contou que Mãe Bernadete passou a ter “muitos medos” após a morte de Flávio Gabriel Pacifico dos Santos, conhecido como “Binho do Quilombo”, em 2017. Binho era filho de Bernadete e pai de Wellington.

Assim como a mãe, Binho morreu após ser baleado com diversos tiros dentro do quilombo. Seis anos após o crime, ninguém foi preso.

Linha de investigação

O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, afirmou na segunda-feira que a Polícia Civil trabalha com três teses para o assassinato de Bernadete Pacífico.

De acordo com Jerônimo, as hipóteses de briga por território e intolerância religiosa são investigadas, mas a mais destacada pela Polícia Civil da Bahia é a de disputa de facções criminosas – uma tese bem divergente da apontada por especialistas em conflitos envolvendo quilombolas e pelos advogados da família de Bernadete.

O governador não explicou a relação do assassinato de Bernadete com o tráfico de drogas, já que a ialorixá e líder quilombola não tinha envolvimento com a criminalidade. Além disso, ela relatava, frequentemente, as ameaças que recebia de grileiros e madeireiros, que queriam extrair matéria prima ilegalmente na região do Quilombo Pitanga de Palmares, Área de Proteção Ambiental (APA) em que ela morava.

Fonte: G1 Bahia

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