Em meio aos esforços do Banco Central para segurar a disparada dos preços, o Brasil voltou a ter os juros reais (descontada a inflação) mais altos do mundo. Dados da Infinity Asset e do portal MoneYou mostram que os juros reais no país já estão em 6,69% ao ano. O percentual é quase cinco vezes o verificado na Rússia (1,36%), por exemplo, que está em guerra com a Ucrânia.
Para economistas ouvidos pelo UOL, os juros elevados no Brasil terão reflexos negativos sobre o crescimento e o emprego nos próximos anos, mas são inevitáveis para segurar os preços neste momento.
O ranking da Infinity considera os juros atuais, descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses em cada país. Numa lista de 40 economias, os dez primeiros colocados são:
Ranking de juros reais (descontada a inflação)
- 1º Brasil (6,69%)
- 2º Colômbia (3,86%)
- 3º México (3,59%)
- 4º Indonésia (2,39%)
- 5º Chile (1,84%)
- 6º Rússia (1,36%)
- 7º Filipinas (1,18%)
- 8º África do Sul (0,58%)
- 9º Índia (0,47%)
- 10º Hungria (0,37%)
Por que os juros estão subindo?
Na primeira semana de maio, o BC subiu a Selic (a taxa básica de juros) de 11,75% para 12,75% ao ano. Em sua justificativa, o órgão alegou que as pressões inflacionárias continuam.
De fato, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), o índice oficial de inflação, acumulou 12,13% nos 12 meses até abril deste ano, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A inflação está na casa dos dois dígitos desde setembro do ano passado.
Ao subir a Selic, o BC torna empréstimos, financiamentos e investimentos mais caros. A expectativa é de que, com isso, o consumo diminua, e os preços parem de subir. A lógica é perversa: com a população consumindo menos, não seria possível às empresas subir os preços.
Com a taxa básica em 12,75%, os juros reais no país já estão em 6,69%. Mas esse percentual tende a aumentar, porque o próprio BC já sinalizou que deve subir novamente a Selic em junho.
Ataque à inflação, mas também à atividade
O problema da alta de juros para segurar a inflação é que seu efeito colateral é crescimento menor e menos geração de empregos —em um país que há anos já tem dificuldades para crescer e criar vagas.
Ainda assim, o economista Renan Pieri, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) de São Paulo, afirma que faz sentido o BC elevar a Selic para segurar a inflação.
Esse movimento de alta de juros pode, sim, gerar menos crescimento nos próximos meses e trimestres. Porém, a inflação também é algo importante. A economia brasileira precisa crescer, mas quando o custo de vida sobe, as famílias também sentem.
Pieri explica que, para boa parte da população, a alta de juros é impopular, porque há efeitos sobre a atividade econômica, a geração de empregos e a renda, sem que a influência sobre a inflação fique clara.
“A pessoa olha o BC subindo juros nos últimos meses e diz: ‘o combustível continua ficando caro; o que adiantou?'”, cita.
Para o economista Mauro Schneider, da consultoria MCM, a alta de juros pelo BC é “não apenas inevitável, mas necessária” para conter a inflação. Ao mesmo tempo, haverá efeitos negativos sobre a economia.
As projeções de Schneider indicam que, após recuar 3,9% em 2020 e crescer 4,6% em 2021, o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro terá alta de apenas 0,1% este ano e de 0,4% no próximo. Segundo ele, o PIB de 2022 será revisto para cima, mas as expectativas para os próximos anos não indicam um crescimento robusto da economia.
Hoje em dia, não temos cenário de queda do PIB em nenhum dos anos, mas de crescimento muito baixo. O trabalho do BC é evitar que esses choques [de inflação] se propaguem, contaminem os preços em geral, os salários. Isso traria redução do crescimento e problemas para os mais desprotegidos.
Mauro Schneider, economista da MCM
Dados do BC mostram que, no fim de abril, a expectativa de crescimento para o PIB em 2022 era de 0,7%. No caso de 2023, de apenas 1%.
Chegou a hora de parar?
Um dos setores da economia mais atingidos pela crise, a indústria defende que chegou a hora de o BC interromper os aumentos da Selic.
“A alta de juros, que começou em março do ano passado, prejudica o setor de duas formas. Primeiro, ocorre o aumento do custo de financiamento, em especial de capital de giro”, afirma o gerente-executivo de economia da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Mario Sergio Telles. “Segundo, a Selic prejudica o consumo de bens industriais.”
Telles afirma que os dois efeitos já estão sendo sentidos pelo setor, mas não totalmente. “Há defasagem entre os aumentos da taxa de juros e os efeitos no consumidor. Isso leva de seis a nove meses”, afirma.
A grande questão da política monetária [juros] é fazer a dosagem correta, para trazer a inflação de volta, com um custo mínimo para a atividade econômica. E nós entendemos que o BC já poderia ter reduzido ou interrompido esse aumento dos juros, em um nível abaixo dos 12,75% de agora. É importante parar para esperar os efeitos, para o custo econômico não ser maior que o necessário.
Mario Sergio Telles, gerente-executivo da CNI
Banco Central
Procurado pelo UOL, o Banco Central não se pronunciou.
Fonte: UOL