ECONOMIA

Governo Bolsonaro tira dinheiro de creches e gasto federal com obras cai 80%

O governo Jair Bolsonaro (PL) promoveu uma forte redução de investimentos para construção de creches e pré-escolas no país. A postura resultou em alta no número de imóveis abandonados e diminuição nas matrículas nesta etapa da educação infantil.

A cada ano da atual gestão o gasto efetivo na educação infantil tem sido menor. O MEC (Ministério da Educação) terminou 2021 com R$ 101 milhões pagos para obras de creches em prefeituras. Trata-se de uma redução de 80% com relação a 2018, último ano do governo Michel Temer (MDB), quando a cifra foi de R$ 495 milhões, em valores atualizados a preços de 2021.

A educação infantil é atribuição dos municípios, mas a União tem obrigação de apoiar financeiramente as prefeituras, sobretudo as mais pobres. A execução orçamentário de 2022 segue a tendência de enxugamento: foram pagos até agora R$ 93,9 milhões para obras da etapa. Os valores foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação.

Somente 12 creches foram iniciadas e entregues durante o atual governo. Seis delas são reformas ou ampliação de escolas existentes, segundo dados do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão do MEC que faz a gestão dos recursos. O MEC e o FNDE foram questionados mas não responderam.

No programa de governo de Bolsonaro para tentar a reeleição, há a promessa de “construção de novas creches e a manutenção das existentes”. A realidade, no entanto, indica um abandono do tema e a previsão orçamentária de 2023 aponta para uma escassez ainda maior de recursos. O FNDE, controlado por políticos do centrão, virou uma espécie de balcão político, com transferências sem critérios, priorização de aliados e corrupção.

Investigações sobre a atuação de pastores na negociação de transferências resultou até na prisão do ex-ministro Milton Ribeiro –ele deixou o cargo uma semana depois de a Folha revelar áudio em que ele dizia priorizar um dos pastores a pedido de Bolsonaro.

Enquanto o governo liberou dinheiro para aliados, o MEC travou, até abril deste ano, o pagamento de R$ 434 milhões a prefeituras aptas a receber os recursos, deixando paradas obras da educação.
No orçamento de 2023, a previsão é da retirada de R$ 1 bilhão da educação básica.

O cenário negativo para a educação infantil se intensifica: os recursos previstos para a etapa caem 96% com relação ao projeto deste ano. Passa de R$ 151 milhões para apenas R$ 5 milhões, como ressalta análise do Movimento Todos Pela Educação.

Líder de relações governamentais do movimento, Lucas Hoogerbrugge avalia que a situação é um misto de descompromisso com o aumento da fatia direcionada às emendas de relator, controladas pelas lideranças do centrão e distribuídas sem critérios técnicos.

“Há uma falta de capacidade do MEC para operar um tema que é de difícil execução, e aí se vê um monte de obra parada. Mas na falta de conseguir resolver, o governo simplesmente tira orçamento”, diz ele.

A meta do PNE (Plano Nacional de Educação) é ter metade das crianças de até 3 anos matriculada até 2024. Cálculo com dados de 2020 mostra que nem um terço (31%) das crianças dessa faixa etária estava em creches, públicas e privadas, segundo o Comitê Técnico de Educação do IRB (Instituto Rui Barbosa), entidade ligada aos Tribunais de Contas dos Estados.

Para alcançar a meta do PNE, o país precisa matricular 2,2 milhões de crianças de até 3 anos.
Sob o governo Bolsonaro, as matrículas em creches públicas sofreram a primeira redução em 20 anos. Em 2020, com dados colhidos antes do fechamento das escolas, havia 2,443 milhões de crianças em creches públicas, valor 0,6% menor do que em 2019.

O número de alunos dessas instituições teve leve queda também em 2021: foi para 2,399 milhões, segundo o Censo Escolar. Evidências internacionais apontam que a educação na primeira infância provoca efeitos positivos no desenvolvimento das crianças, na redução de desigualdades e na vida adulta. Além disso, a oferta tem papel fundamental para a inclusão e permanência de mulheres no mercado de trabalho.

A auxiliar de limpeza Thalia Ferreira, 25, cuida sozinha da filha Maria, de 10 meses. Desde o início do ano ela está na fila de espera da creche em Brasília, e até agora não tem previsão de conseguir a vaga.
A jovem mora em Planaltina, região administrativa da capital federal. Sem creche, precisa sair de casa antes do amanhecer para deixar a criança com uma cuidadora e seguir para o trabalho na região central de Brasília, a uma hora de sua casa.

Essa ajuda custa R$ 650 mensais para a mãe. “Moro de aluguel, tem a alimentação, fralda, e não recebo nada do pai dela. Não tenho ideia de quando vamos conseguir a vaga”, diz ela, que também se preocupa com o lado educacional.

“A creche não é só um lugar para deixar a criança para a mãe trabalhar, mas tem atividades importantes que ajudam no desenvolvimento. Se ela entrasse o quanto antes, seria muito bom para o seu crescimento”.

A presidente do Instituto Articule, Alessandra Gotti, diz que é um fato a dificuldade de os governos locais conseguirem cumprir a demanda, daí a necessidade de apoio da União.

“Fica muito claro, e expresso em reais, o quanto a educação infantil não é prioridade do governo federal. A gente sabe, provado por todas as evidências, que a etapa é fundamental para o desenvolvimento infantil”, diz ela. “Creche não é gasto, é investimento”.

Somente 17% dos municípios brasileiros conseguiram, até 2020, ter vagas em creches para ao menos metade das crianças da faixa etária. Apesar disso, estudo da Atricon (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil) mostra que 1.471 municípios não alcançaram metas de inclusão em creche e pré-escola, mas gastam com ensino médio ou superior -etapas que, ao contrário da educação infantil, não são de atribuição municipal.

“Os gestores locais devem concentrar suas ações conforme as prioridades estabelecidas constitucional e legalmente”, diz o presidente da entidade, Cezar Miola. O registro oficial de obras de educação infantil concluídas cresceu entre o ano passado e este, com um incremento de 717 obras finalizadas.

No entanto, fontes do FNDE disseram à reportagem, sob anonimato, que o quadro tem relação com iniciativas municipais de pagar com recursos próprios a conclusão de construções e também com a simples atualização no sistema do status dessas obras, sem que tenha havido transferências.

Na pré-escola, cuja matrícula é obrigatória, a taxa de cobertura em 2020 é de 81% entre as crianças de 4 e 5 anos. O IRB calcula que 1,2 milhão de crianças dessa faixa etária estão fora da escola.

Fonte: Bnews

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