O juiz Sérgio Humberto de Quadros Sampaio, do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ), foi flagrado nas investigações da Operação Faroeste negociando com o advogado Júlio César Cavalcanti Ferreira percentuais que ganharia com a venda de sentenças. O diálogo entre o magistrado e Ferreira consta na denúncia que a subprocuradora-Geral da República (PGR), Célia Regina Souza Delgado, apresentou anteontem contra eles e outras 13 pessoas, incluindo quatro desembargadores do TJ e mais dois juízes.
Na denúncia, enviada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), a subprocuradora atribui aos alvos da Faroeste os crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro. Dos 15 acusados, seis estão presos preventivamente, incluindo o Sérgio Humberto e a desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago, ambos afastados das funções por 90 dias.
Conforme as investigações do Ministério Público Federal (MPF), a venda de sentenças por integrantes da cúpula do TJ foi montado para sustentar um suposto esquema de grilagem de terras no Oeste baiano, uma das mais prósperas regiões do agronegócio. São acusados ainda de participar das negociatas os desembargadores Gesivaldo Britto, presidente afastado do TJ, Maria da Graça Osório Pimentel Leal e José Olegário Monção Caldas.
A denúncia da PGR inclui ainda os juízes Marivalda Almeida Moutinho e Márcio Reinaldo Miranda Braga. Com exceção do último, os demais magistrados estão afastados dos cargos por 90 dias. Contudo, a Procuradoria pediu ao STJ a extensão do prazo de afastamento para 180 dias, além da perda de função pública dos membros do tribunal baiano.
Ligações
A denúncia, baseada em investigações feitas pela Polícia Federal no âmbito da Faroeste, deflagrada em 19 de novembro, aponta que o juiz Sérgio Humberto e o advogado Júlio César Ferreira tinham relações próximas. “Em consequência dos valores criminosos auferidos, Júlio César, ao ser interceptado, confidenciou a uma funcionária do sistema financeiro que estaria com dor de cabeça diante da complexa tarefa de mobilizar tanto dinheiro”, relata a denúncia.
Em uma das gravações, Ferreira diz: “Vou depositar hoje trezentos mil em cheque. Essa gestão desse dinheiro que tá dando uma dor de cabeça da p*, toda hora sacando dinheiro”. Segundo a PGR, o juiz “teve sua atividade judicante criminosa maximizada com o auxílio de Júlio César, ex-servidor do Tribunal baiano e que recebeu recursos através de pelo menos dois depósitos bancários, datados de 10 de abril de 2018, no valor total de R$ 400 mil, oriundos do esquema ora retratado, quando estava no exercício de cargo público”.
No dia da operação, a busca e apreensão contra o advogado apontou a “dimensão da grandiosidade da empreitada criminosa”, com a “apreensão e degravação de conversas ambientais gravadas pelo próprio Júlio César durante conversas que mantinha com seus interlocutores e parceiros no esquema ilícito narrado, dentre eles o denunciado Sérgio Humberto” (leia trechos na página ao lado).
Ramificações
Devido à complexidade do suposto esquema, a PGR dividiu em seis as linhas de investigação sobre a “organização criminosa”, que “desenvolveu mecanismo de lavagem de dinheiro para dar aparência de legalidade à negociata de decisões judiciais”. Todas elas se referem à corrupção e lavagem de ativos envolvendo o deferimento de decisões judiciais ou administrativas.
Entre os quais, mandados de segurança, liminares, apelações, edição de portaria administrativa, julgamento de recursos pelo Conselho da Magistratura do TJ e embargos. Quase todas as linhas se referem à disputa pela posse de 360 mil hectares no Oeste do estado, equivalente a cinco vezes o tamanho de Salvador, cuja propriedade foi transferida para o ex-borracheiro José Valter Dias, tido como testa de ferro do falso cônsul Adailton Maturino, apontado pelo MPF como mentor do esquema.
Sérgio Humberto, ainda conforme a denúncia, e Marivalda Moutinho atuavam no Oeste da Bahia por designação do desembargador Gesivaldo Britto “em benefício dos interesses espúrios do grupo de Maturino”. Por meio de sua defesa, Maturino, que está preso no Complexo da Papuda, em Brasília, disse que ele é “vítima de grileiros profissionais”.
Consultado sobre a denúncia da PGR, o TJ informou que “está aguardando a apuração dos fatos”. Até o fechamento desta edição, o CORREIO não conseguiu contato com a defesa dos demais acusados.
Trechos de diálogo entre magistrado e advogado apreendido pela PF
Apontado como um dos operadores financeiros da suposta venda de sentenças no TJ, o advogado Júlio César Cavalcanti Ferreira tinha como hábito gravar conversas que mantinha com outros acusados de integrar o esquema investigado pela Operação Faroeste. Um dos áudios apreendidos pela PF na casa de Ferreira revela negociações do juiz Sérgio Humberto Sampaio sobre percentuais que ganharia com direcionamento de decisão em torno de uma disputa judicial de terras. Os textos em negrito se referem às falas do magistrado; abaixo deles, estão as do advogado:
Da gente gerir alguns problemas autonomamente, ou vai sempre ficar parado, por quê? Vai falar: ‘então, eu quero 70 %, eu quero não sei quantos por cento, Sérgio’. Vai fazer o que? Vai pedir ao [advogado] Ricardo Três? Ricardo não vai dar conta.
O que acontece? Tem uma ação lá, um interdito proibitório, que o cara já tá na posse, mas quer legitimar a posse dele com a decisão judicial.
Ótimo.
O cara tem a posse, eu até pensei em fazer uma inspeção antes de deferir, pra fortalecer mais, faz uma inspeção, pra não ser uma liminar zona, entendeu?
Tá bom.
Aí falo pra fazer uma inspeção. Não é coisa muito assim, muito grande, mas pelo menos…
Oxigena.
É, oxigena, entendeu? Acho que dá pra tirar uns [R$] 150 [mil], por aí, do cara.
Legal.
Aí eu que vou fazer a ação.
Certo.
Mas eu nem vou dar entrada em meu nome pra não chamar mais atenção.
Ótimo, certo.
Então, já oxigena. É uma área lá, ele tá na posse, não tem briga nenhuma, na verdade. Ele tá inventando briga.
Certo, é bom ele botar um réu, alguém dele.