Quando o assunto é o fundo público eleitoral para financiar as campanhas políticas do país, o presidente Jair Bolsonaro coleciona ao longo dos últimos anos declarações contraditórias, mentiras e titubeios sobre o tema.

Saiba o que está em jogo hoje e relembre as declarações do presidente sobre o chamado fundão eleitoral.

O QUE ESTÁ EM JOGO

Prensado entre o derretimento da popularidade e a dependência do centrão, Bolsonaro terá escolha difícil entre vetar ou sancionar o projeto de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) com previsão de R$ 5,7 bilhões para o fundão que foi aprovado pelo Congresso.

O valor do fundo eleitoral, que representa quase o triplo do que foi usado no pleito municipal de 2020 (R$ 2 bilhões) e nas eleições gerais de 2018 (R$ 1,7 bilhão), foi aprovado pelo Congresso nesta quinta-feira (15), na LDO, peça que baliza o governo na elaboração do Orçamento-2022.

Somado ao Fundo Partidário (R$ 1 bilhão), que é a outra fonte pública de financiamento de siglas e candidatos, o país deve desembolsar R$ 6,7 bilhões no próximo ano, o que representa 0,09% do seu PIB.

Desde que o STF (Supremo Tribunal Federal) proibiu as empresas de financiar o mundo político, em 2015, o Congresso e o Executivo abrigam a cada ano pré-eleitoral uma queda de braço.

De um lado, há uma maioria parlamentar que sempre tenta elevar ao máximo a previsão de gasto movida por dois discursos principais, um público e um mantido nos bastidores.

O público é o de que a manutenção da democracia tem o seu custo, e o financiamento de partidos e candidatos para a disputa da eleição, pilar da democracia, deve ser proporcional ao tamanho continental do Brasil.

Já os interesses privados, quase nunca tornados públicos, giram em torno do fato de que a bolada bilionária distribuída privilegiará, via de regra, políticos já posicionados e com influência entre as cúpulas partidárias -em boa parte, os próprios congressistas em busca de reeleição.

Do outro lado do cabo de guerra está uma minoria política que se coloca contra o financiamento público de campanha, além de parte do Executivo, que controla de onde sairá o dinheiro. Também desse lado, há o discurso público e interesses mantidos nas sombras.

TITUBEIOS DO PRESIDENTE

Diante da decisão que terá de tomar sobre sancionar ou vetar o projeto aprovado pelo Congresso que aponta cerca de R$ 5,7 bilhões para o fundo eleitoral de 2022, Bolsonaro tem dado declarações de vai e vem sobre o tema. Desde domingo, ele coleciona frases em cima do muro ou pouco assertivas.

Pelo amor de Deus (domingo): “Eu sigo, né, a minha consciência, sigo a economia, e a gente vai buscar dar um bom final pra isso tudo aí. Afinal de contas, eu já antecipo, R$ 6 bilhões para fundo eleitoral, pelo amor de Deus.”

Casca de banana (domingo): “É uma casca de banana, uma jabuticaba (…) E eu sigo a minha consciência, sigo a economia e a gente vai buscar um bom final pra isso tudo aí. Eu já antecipo 6 bilhões para fundo eleitoral eu não admito.”

Não será sancionada (segunda-feira): “É uma cifra enorme, que no meu entender está sendo desperdiçada, caso ela seja sancionada. Posso adiantar para você que não será sancionada.”

Tendência de não sancionar (segunda-feira): “Afinal de contas, eu tenho que conviver em harmonia com o Legislativo. Nem tudo que eu apresento ao Legislativo é aprovado e nem tudo que o Legislativo aprova, vindo deles, eu tenho obrigação de aceitar do lado de cá. A tendência nossa é não sancionar isso daí em respeito ao trabalhador, ao contribuinte brasileiro.”

Ideia é vetar (segunda-feira): “A ideia nossa é vetar esse dispositivo.”

CONTRADIÇÕES SOBRE O FUNDO ELEITORAL DE 2020

Poucas horas depois de sinalizar que vetaria o fundo eleitoral de R$ 2 bilhões para 2020, Bolsonaro logo mudou de posição e disse que seguiria recomendação de sua assessoria jurídica. Ele então sancionou o projeto como foi aprovado pelo Congresso.

Naquela mesma manhã, havia dito: “Em havendo brecha para vetar, eu vou fazer isso. Não vejo, com todo respeito, como justo usar recursos para fazer campanha. A tendência é vetar, sim”.

O argumento para recuar foi o de que poderia ser alvo de um processo de impeachment se modificasse o valor do fundo. Ele citou o artigo 85 da Constituição, que trata das situações em que um presidente da República pode cometer crime de responsabilidade.

“O Congresso pode entender que eu, ao vetar, atentei contra esse dispositivo constitucional [artigo 85 da Constituição, que trata de crimes de responsabilidade] e isso se tornar um processo de impeachment contra mim. Eu estou aguardando o parecer final da minha assessoria jurídica, mas o preliminar é que eu tenho que sancionar”, afirmou durante a transmissão.

Bolsonaro disse que é contrário ao fundo eleitoral, mas se disse “escravo da lei”. Ele reclamou das críticas que vinha sofrendo e da pressão sobre ele para vetar o projeto.

Na prática, porém, o recuo ocorreu para não desagradar o Congresso, já que foi obrigado a ceder cargos e verbas ao partidos do centrão para que não sofresse um processo de impeachment por questão políticas.

Mentiras sobre o uso do dinheiro público Muitos políticos, apesar do discurso público contrário, foram e continuam sendo beneficiados pelas verbas públicas, seja do fundo eleitoral, seja do fundo partidário, que distribui anualmente cerca de R$ 1 bilhão à maior parte das 33 legendas existentes.

A família Bolsonaro talvez represente o exemplo mais claro disso.

Apesar de Jair Bolsonaro ter sancionado o fundo eleitoral de R$ 2 bilhões para 2020, o discurso público do clã é contrário ao uso da verba. O presidente chegou, inclusive, a gravar vídeo recomendando seus apoiadores a não votar em candidatos que usassem o fundo na última eleição municipal.

Apesar de ele sempre negar que tenha usado dinheiro público na disputa à Presidência em 2018, reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que a campanha de Bolsonaro foi mais cara do que o declarado por ele à Justiça Eleitoral, além de ter sido financiada em parte por dinheiro público.

Notas fiscais entregues pelos 27 diretórios estaduais do PSL, sigla pela qual Bolsonaro se elegeu, mostram que ao menos R$ 420 mil -parte dele, dinheiro público do fundo eleitoral- foram usados para a confecção de 10,8 milhões de santinhos, adesivos, panfletos e outros materiais para a campanha de Bolsonaro, isoladamente ou em conjunto com outros candidatos do partido.

Bolsonaro também se beneficiou de verbas públicas de campanha em sua carreira de deputado federal. Na eleição de 2014, por exemplo, ele mesmo fez questão de ressaltar que usou R$ 200 mil do fundo partidário do PP -seu partido à época.

Na ocasião, Bolsonaro devolveu ao PP R$ 200 mil doados ao partido pelo gigante das carnes JBS, empresa que dois anos depois foi o pivô de um escândalo de suspeita de direcionamento de caixa dois e propina a políticos, exigindo a troca pelo mesmo valor, mas que tivesse origem pública.

Fonte: Folhapress