Pouco mais de um mês depois de o presidente Lula (PT) e o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), anunciarem um projeto de lei para endurecer as penas para os crimes contra o Estado democrático de Direito, não se conhece a redação da proposta final do governo.
No texto que foi protocolado na Câmara em 24 de julho, três dias após a cerimônia, não consta um dos itens que foi mais criticado à época: o de pena de até 40 anos de prisão para quem atentar contra a vida de autoridades, como o presidente da República e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), com fim de alterar a ordem constitucional democrática.
Procurado pela reportagem na ocasião, ainda em julho portanto, o Ministério da Justiça informou que a versão corrigida seria enviada pela Casa Civil.
Passado um mês completo, porém, o mesmo texto –que legalmente é o que vale no momento– permanece sem qualquer substitutivo ou alteração.
Enquanto isso, o desencontro de versões gera ruído. No dia 2 de agosto, inclusive, foi apresentado um requerimento pela deputada federal Adriana Ventura (Novo-SP), questionando a constitucionalidade da proposta, tendo como base o texto protocolado.
Questionada novamente pela reportagem, a pasta da Justiça afirmou na sexta-feira (25) que “tratativas para retificação de pequeno equívoco no projeto protocolado já foram iniciadas junto à Câmara dos Deputados pela Casa Civil” e que “o órgão legislativo solicitou nova comunicação oficial, que está em fase de finalização”.
Apesar das diferenças entre o anunciado e o texto protocolado, a pasta afirmou que “a redação do PL 3611/2023 é a mesma apresentada no dia 21 de julho, durante evento de lançamento do PAS, no Palácio do Planalto”.
Também procurada, a Casa Civil se restringiu a afirmar que a pasta da Justiça já tinha respondido.
O documento divulgado pelo governo no momento da cerimônia tampouco trazia a redação exata do projeto, tratando-se de um PDF com o ponto a ponto das propostas. Na data, a Folha de S.Paulo solicitou a íntegra do documento, mas ele não foi disponibilizado pelo Ministério da Justiça.
À época do anúncio, com base no que foi informado, advogados e professores de direito criticaram as altas penas, questionando o embasamento para a proposta e sua eficiência.
A previsão de pena de até 40 anos passou a ser possível a partir de 2019, com a aprovação do pacote anticrime. Até então o limite no Brasil era de 30 anos.
Também houve quem avaliasse que, pelo fato de os crimes contra o Estado democrático de Direito serem muito recentes -a lei foi aprovada em 2021-, ainda seria preciso mais tempo de maturação antes de buscar mudá-los. Por outro lado, há quem considere como positiva a possibilidade de gradação de penas proposta, que mudaria a depender da participação nos crimes, como de financiadores e de organizadores.
A pena para caso de atentado à vida, não é a única diferença do documento com o PL 3611.
Segundo o anúncio, seria proposta ainda a pena de 6 a 12 anos, mais pena correspondente à violência, para crimes que atentem contra a integridade física e a liberdade das mesmas autoridades, também com fim de alterar a ordem constitucional democrática, o que não consta no texto do PL 3611/2023.
Já no caso da previsão de um crime de financiamento de atos antidemocráticos, há previsão de penas menores: em vez de 8 a 20 anos, como havia sido anunciado, a versão na Câmara prevê de 6 a 12 anos de pena.
Por outro lado, o projeto prevê dois crimes que não foram mencionados no documento do dia 21.
No caso, o de “incitação à abolição violenta do Estado democrático de Direito ou ao golpe de Estado”, com pena de 2 a 4 anos e multa, e também o criminaliza o ato de “Tentar impedir o livre exercício das funções, mediante violência ou grave ameaça”, com pena de 4 a 8 anos e multa.
Em relação a este último crime, constam no rol de autoridades os ministros de Estado, enquanto no texto do anúncio, referente a outros ilícitos, a lista se restringe aos presidentes dos três Poderes, do vice-presidente da República, de ministros do STF e do procurador-geral da República.
Outro ponto que está na versão protocolada, mas não constou no documento da pasta é o de prever incidência de multa para crimes contra o Estado democrático de Direito e em patamares mais elevados quando comparados aos demais.
A proposta de endurecimento de punições para quem atenta contra o Estado democrático de Direito foi inicialmente apresentada ao presidente Lula por Dino no final de janeiro, integrando o chamado pacote da democracia, tratado como resposta aos ataques golpistas de 8 de janeiro em Brasília.
PROPOSTA ANUNCIADA EM JULHO
Em 21 de julho, o governo não divulgou a íntegra do projeto, apenas um resumo da proposta, sem a redação exata. O texto diz que o projeto busca alterar a lei para “aperfeiçoar o art. 359-L e o art. 359-M e para dispor sobre as causas de aumento aplicáveis aos crimes contra o Estado Democrático de Direito”.
E “prevê pena de reclusão para quem cometer crimes contra o Estado democrático de Direito e golpe de Estado”:
De 6 a 12 anos para quem organizar ou liderar movimentos antidemocráticos
De 8 a 20 anos para quem financiar movimentos antidemocráticos
De 6 a 12 anos, mais pena correspondente à violência, para crimes que atentem contra a integridade física e a liberdade do presidente da República, do vice-presidente da República, dos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, dos ministros do STF e do procurador-geral da República, com fim de alterar a ordem constitucional democrática
De 20 a 40 anos para crimes que atentem contra a vida das autoridades citadas acima, com fim de alterar a ordem constitucional democrática
CRIMES DO CÓDIGO PENAL EM VIGOR
Crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L): Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais
Pena: 4 a 8 anos de prisão, além da pena correspondente à violência
Crime de Golpe de Estado (art. 359-M):Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído
Pena: 4 a 12 anos de prisão, além da pena correspondente à violência