O delator Otávio Marques de Azevedo, ex-presidente da Andrade Gutierrez, omitiu irregularidades envolvendo um dos filhos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em seus relatos a autoridades da Lava Jato, segundo o Ministério Público Federal, o que tornou incerto o futuro de seu acordo de colaboração.
Delator há quatro anos, Azevedo foi alvo em dezembro passado de três mandados de busca e apreensão cumpridos na fase da Lava Jato batizada de Mapa da Mina.
Essa etapa da força-tarefa apura se o sítio em Atibaia (SP) frequentado pelo petista foi comprado com dinheiro de propina da empresa de telefonia Oi, por meio de sócios de Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-presidente. A Oi tinha o grupo Andrade Gutierrez como um de seus controladores.
Reformas patrocinadas por empreiteiras nesse sítio motivaram a condenação do ex-presidente por corrupção e lavagem de dinheiro. Em 2010, Jonas Suassuna, sócio do filho de Lula, comprou o sítio junto com Fernando Bittar (filho de Jacó Bittar, amigo de Lula). Ele pagou R$ 1 milhão, e Bittar o restante.
A Lava Jato, em petição à Justiça na qual pediu os mandados de busca contra o ex-presidente da Andrade Gutierrez, afirmou que, embora o empresário tenha firmado acordo de colaboração, “nele não tratou sobre os ilícitos narrados na presente peça”.
“Conforme demonstrado, foram encontradas diversas evidências de sua atuação nos fatos sob apuração”, completa a força-tarefa de Curitiba.
Otávio Azevedo, 68, foi presidente da holding da Andrade Gutierrez, segunda maior empreiteira do país, de 2008 a 2015. Na época, além de representar o grupo, atuava no braço de telecomunicações do conglomerado, que incluía participação societária na Oi.
Ele ficou preso por oito meses, por ordem do então juiz Sergio Moro, de junho de 2015 a fevereiro de 2016, sob suspeita de pagar propina no âmbito da Petrobras. Deixou o regime fechado em virtude da negociação de sua delação.
Condenado a 18 anos de prisão em processo derivado da operação, cumpre ainda uma série de compromissos com a Justiça, que incluem a apresentação de relatórios periódicos de atividades e a prestação de serviços comunitários.
Na fase da Lava Jato deflagrada em dezembro de 2019, a força-tarefa liga a atuação de Azevedo junto à Oi ao repasse de milhões de reais à empresa Gamecorp e outras firmas relacionadas ao filho de Lula.
A equipe de investigadores tenta esmiuçar a aplicação pela tele de R$ 132 milhões nessas firmas de 2004 a 2016 —a Oi foi responsável por 54% dos créditos do que chama de “grupo econômico Gamecorp”. Entre os sócios dessas firmas estão os compradores do sítio de Atibaia, Suassuna e Bittar.
Agora, à Justiça, a força-tarefa levantou diversas suspeitas sobre a atuação de Azevedo naquele período, com base em materiais que haviam sido apreendidos por ocasião da prisão do empreiteiro, antes de seu acordo de delação.
A Lava Jato afirma, por exemplo, que uma planilha de gastos da conta corporativa da presidência da Oi, de 2009, aponta o pagamento de R$ 950 mil à Gamecorp a título de “assessoria jurídica”, área na qual a firma não atuava.
Essa circunstância, dizem, se encaixa em situação narrada em email interno da Gamecorp no qual um dos diretores da firma do filho de Lula afirma que os repasses da Oi foram desconsiderados em um balanço de resultados porque se trata de uma “verba política” que poderia distorcer os cálculos.
A investigação ressalta que houve decisões governamentais de peso na área de telecomunicações no período, como medida do governo Lula que permitiu a compra da Brasil Telecom pela Oi, em 2008.
A investigação anexou trocas de mensagens entre Azevedo e José Lucimar Zunga, indicado para o Conselho Consultivo da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) por Lula.
Outro episódio na mira da investigação é a fusão da Oi com a Portugal Telecom, apoiada pelos governos petistas. A apuração está em andamento e ainda não foi oferecida denúncia (acusação formal) a respeito.
As suspeitas narradas com base em materiais apreendidos com o empresário antes da homologação da delação sugerem que os próprios investigadores já tinham na época indícios sobre os fatos narrados e que, mesmo assim, o acordo foi fechado sem que esses episódios fossem esclarecidos.
Conforme mostrou reportagem da Folha em outubro, com base em mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil, o então procurador-geral Rodrigo Janot cobrava penas mais duras do que as sugeridas pelos advogados da Andrade Gutierrez, mas os procuradores temiam que o endurecimento afastasse os empreiteiros das negociações e inviabilizasse o acordo com a empresa.
“Os nomes entregues estão dentre aqueles que até o momento não houve maior investigação”, escreveu à época o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos membros da força-tarefa, em mensagem a colegas defendendo a concretização do acordo.
Após a assinatura da colaboração, os investigadores tentaram negociar um “recall” da delação, no qual os colaboradores fariam uma nova rodada de revelações. Como a Folha mostrou em 2017, um dos temas aventados pelas autoridades nessa renegociação era justamente o papel da Oi junto às empresas de Fábio Luis.
O acordo de Azevedo com a PGR (Procuradoria-Geral da República), homologado em 2016, prevê rescisão caso o colaborador deixe de esclarecer espontaneamente “todos os esquemas criminosos de que tenha conhecimento”. Nesse compromisso, o colaborador se comprometia a revelar a estrutura hierárquica e a divisão de tarefas de organizações criminosas de que tinha conhecimento.
Em dezembro, a fase Mapa da Mina fez buscas em endereços do empreiteiro: no apartamento dele e em um escritório, ambos em São Paulo, e em uma casa de praia no litoral norte paulista. Recolheu documentos que incluíam computadores e telefone celular.
Entre os papéis apreendidos, estavam uma tabela com os assuntos abordados na delação da Odebrecht, uma cópia de um recibo, com logo do Instituto Lula, de doação no valor de R$ 15,5 mil e planilhas de pagamentos ao PT —sem detalhar que repasses são esses.
Fonte: BNews